Banalidades, aleatoriedades, inutilidades, letras de música que não viraram música e alguma poesia

domingo, 18 de outubro de 2015

Nesse segundo

Há aí, em algum lugar, nunca aqui, nunca aqui, do outro lado da rua, talvez, talvez no último andar de um prédio de Nova York, alguéns que acordam e beijam uma boca de diamante. Escovam os dentes com pastas de dente que são as mesmas que você usa mas que incrivelmente criam uma camada de ouro 18 quilates. Apenas imaginar o sorriso dessas pessoas dá vontade de vomitar. Elas vão ao banheiro e cagam uma merda tão brilhosa e perfumada que você não hesitaria em pegar um pouquinho para colocar em você e ficar tão brilhoso e perfumado como esse cocô divino. Esses alguéns têm investimentos no Bradesco, Banco do Brasil, Petrobrás. Se as coisas vão mal podem investir na Guerra do Congo, na Guerra Contra o Medo, o Desespero e a Burrice Generalizada, ou outra empresa qualquer. E eles investirão seu dia em dar 10 mil sorrisos 18 quilates, comer sua mulher de diamante, acariciar sua gata de 500 dólares que daqui há um mês dará 10 filhotes de 500 dólares cada. E você irá acordar em farrapos, depois de mais uma garrafa de vodca e com gosto de bocetas imundas na boca, hematomas e com a nítida impressão de que o mundo não vale nada e sem saber exatamente por que está levantando da cama. Tem sorte de que é domingo e as coisas estão meio que suspensas numa névoa existencial. O seu gato vem lhe dar bom-dia e isso é quase suficiente para um sorriso. Você está completamente convencido de que em algum lugar, nunca aqui, nunca aqui, a matéria que constitui todos os seres é diferente, o próprio ar que se respira é menos intenso e carregado de perfumes franceses que custam 999,99 reais. Qualquer outra pessoa é um insulto à sua existência. E há bilhões delas por aí. Você está completamente ciente de que todos os cus fedem. Mas em algum lugar, nunca aqui, nunca aqui, há um cu de diamante num cofre de um banco da Suíça que não emite odores nem peida. Você escova os dentes e, graças ao deus ciência, é só pasta de dente mesmo. Seu gato insiste em tentar fazê-lo feliz. Talvez até haja alguém que realmente o ame em algum lugar, nunca aqui, nunca aqui. Não é uma coisa incrível? Você não hesita em abrir a porta porque sabe que lá fora há o sol e o calor depois de um mês de chuva e escuridão e frio e talvez até o botão de rosa tenha desabrochado. E sim, lá está, o sol, o calor, a rosa. Mentalmente você anota: tenho um gato, o sol, a rosa, nenhum dente cariado por enquanto, só uma espinha, quase nada. Não são 18 quilates, são o que são e são seus. Alguéns podem ter tudo isso e mais: eles têm você. Mas esse sorriso é seu. Só seu e do seu gato, do sol, do calor, da vodca, do segundo que você sabe que vai acabar, dessa porra de domingo fodido da vida. Aqui, aqui. Na minha boca. Agora. Nesse segundo. Só nesse segundo.