Banalidades, aleatoriedades, inutilidades, letras de música que não viraram música e alguma poesia

domingo, 1 de dezembro de 2013

Pequenos consultórios, grandes negócios

A psicologia, como ciência superior, sendo ela a menos desenvolvida, é a mais habilitada para substituir Deus. Ela e seus praticantes, os psicólogos, compõem o novo panteão celeste. Divinos em sua limitada sabedoria, definirão os abençoados novos integrantes do Reino do Sãos.



segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Jogo da verdade

Mentindo algumas verdades
      chega-se à universidade
                              e além.
           Chega-se ao paraíso
                             dizendo
                               amém.


domingo, 24 de novembro de 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pequena história com moral podológica

Pisão andava sempre de pé no chão ou chinelo porque não sabia amarrar tênis e recusava-se a usar sapato.
Aliás, costumava afirmar que a única coisa que o irritava mais do que sapatos eram as pessoas que usavam sapatos. Suspeita-se que tamanha aversão decorria do fato de que ele não tinha dinheiro para comprar sapatos. Tampouco aceitava doação. Era contra caridade.
Com os pés quase cascos empreendeu sua longa caminhada. Progrediu a passos largos. Pisou na cara da sociedade que tantas vezes sapateara em cima da sua honra.
Atualmente é proprietário de uma fábrica de calçados.




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A pressa da pressa

Quando foi que 
inventaram a pressa?
E desde quando
ela anda tão       
                apressada?


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Incompatibilidade de egos

Enquanto o ego dele encontrava-o em qualquer boteco, fundo de copo ou briga de rua, o dela era uma densa e informe nuvem hermética de THC.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

DIÁLOGOS COTIDIANOS E BANAIS OUVIDOS POR ACASO POR AÍ # 1

– Cara, tá escorrendo ranho do teu nariz. E muito! Que nojo!
– São as ideias, cara! Brotam do meu cérebro e escorrem pelo nariz. Não posso fazer nada.
– Quer dizer que tuas ideias são, como posso dizer, uma meleca?
– Mais ou menos.
– Ah, cara... Pega este papel aqui. Limpa logo isso!
– Tá. Mas assim vou desperdiçar uma ideia!
– Pelo contrário! Vamos deixar uma obra-prima registrada para a posteridade. Seria pior se se deixasse perder no chão ou na manga do moleton que tua mãe vai lavar amanhã.
– Será, cara? Tu acredita mesmo que sou um gênio genial?
– Claro! Agora limpa essa merda antes que eu te faça engolir tuas maravilhosas ideias.





sábado, 24 de agosto de 2013

shhhhh...

"O silêncio na história e na política é do mesmo tipo. É indicativo de alguma desgraça e, frequentemente, de um crime. É um instrumento tão político quanto o som de armas se entrechocando ou um discurso num comício. O silêncio é indispensável a tiranos e opressores, que se esforçam para que seus atos sejam feitos pelas caladas. [...]
Seria interessante se alguém pesquisasse até que ponto os sistemas mundiais de comunicação trabalham a serviço da informação e até que ponto a serviço do silêncio e do amordaçamento. Há mais do que é dito ou do que não é dito? É possível calcular o número de pessoas que trabalham no mundo da propaganda. E se calculássemos o número dos que se dedicam ao ramo da manutenção do silêncio? Qual dos dois seria maior?"



Ryszard Kapuściński (1932-2007) jornalista e escritor polonês. O "maior repórter do mundo", segundo alguns. Este trecho foi retirado de A guerra do futebol: e outros relatos. Companhia das Letras, 2008.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Todas as minhas camisas, calças jeans e palavras estão manchadas de vinho.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

[Uma semana com José Gonçalves]

funcionário, paletó e gravata, sapatos engrax(ç)ados.

Segunda-feira:
Eu me levanto às sete. Escovo os dentes, lavo o rosto e faço a barba. Átila trouxe um balde de plástico, toda noite enchemos de água no bar. A privada do depósito está sem água. Vou ao bar tomar média, pão com manteiga. Ando dois quarteirões, espero o ônibus. Desço no Largo. Subo ao escritório e bato o ponto, 8:30 exato. Vou à minha mesa, tiro a capa da máquina, abro as gavetas, começo a trabalhar. Os rostos no elevador, no escritório, na rua, são os mesmos, trabalho sozinho, com um milhão de espelhos.

Terça-feira:
Eu me levanto às sete horas. Escovo os dentes, lavo o rosto e faço a barba. Vou ao bar tomar café, média, pão com manteiga. Ando dois quarteirões, espero o ônibus. Desço no Largo. Subo ao escritório e bato o ponto, 8:30 exato. Vou à minha mesa, tiro a capa da máquina, abro as gavetas, pego os cartões e começo a trabalhar.

Quarta-feira:
Eu me levanto. Ando dois quarteirões. Subo ao escritório. Tiro a capa da máquina. Começo a trabalhar.

Quinta-feira:
Eu me levanto, ando, entro no escritório, trabalho.

Sexta-feira:
Levanto, ando, entro, trabalho, saio, durmo.

Sábado:
Todo sábado eu pego uma puta.




[José Gonçalves é o personagem principal do romance Zero, do qual roubei este trecho, de Ignácio de Loyola Brandão. A edição que tenho é a sétima, publicada em 1980,autografada pelo próprio (o autor, não o personagem)]

terça-feira, 16 de julho de 2013

Eu menos 10

Dei muita bola para ela
ela não quis jogar
tiro de letra
altero o esquema tático
também sei jogar sozinho
aliás
olé!
sou quase craque
sou eu menos dez


domingo, 7 de julho de 2013

Um maldito ataque de poesia ao entardecer



Mais um pouco e já é noite
o horizonte e meu cigarro
em chamas
mais um pouco e já sou
cinza resto de luz
mais um pouco e também sou
escuridão






quinta-feira, 27 de junho de 2013

Por acaso

Se você por acaso encontrar o amor, perdido por aí, numa placa de trânsito ou prateleira de supermercado, diga-lhe que ele é um idiota.  

Troca-se um adeus por um pesadelo e dois cafés

São necessários um pesadelo e dois cafés
para acordar uma pessoa.
É suficiente uma palavra 
para matar
adeus.





terça-feira, 18 de junho de 2013

Evolução evolutiva do protesto


A mãe pergunta para o filho:
– Vai sair?
– Aham. Vou num protesto aí, mas não demoro – ele responde.
– Te cuida! Bota um casaco que tá frio. E vê se não depreda aquele banco onde a mamãe tem conta, tá?
– Podes crer, mãe. Um ônibus pra mim tá mais do que bom.
Tranquilizada, ela conclui, antes que ele saia:
– Ah, e vê se não chega fedendo a spray de pimenta!


Já fez o seu protesto hoje?

Charge do genial Tacho, publicada em 17/06/13 no Correio do Povo

terça-feira, 28 de maio de 2013

Sobre as impossibilidades da Geografia



Amores antigos são
como velhas estradas
esburacadas e abandonadas
que eu sei,
você sabe,
permanecem lá.

Destinos trocados,
sinais errados,
o preço do pedágio
que ninguém mais quer pagar.

Mas eu sei, 
você sabe,
um pouco de nós
permanece lá.

A Geografia não explica
nem há de explicar:
antes uma linha reta numa planície
ladeada pela sombra de mil árvores
e perfumada pelo perfume de mil flores.

Agora obstáculos intransponíveis:
pontes arruinadas,
tortuosos caminhos
riscados do mapa,
cobertos pelo pó
da memória.

Há novos caminhos 
para quem quer ir à cidade Paraíso.

Em noites de lua cheia
ainda costumo andar por lá.
Mastigando as vísceras da solidão
como um chiclete de dez centavos.

Sinto o vento na cara,
aspiro o aroma de mil flores mortas e
acelero.

Acelero a 200 km/h
num velho e enferrujado
Cadillac vermelho conversível caindo aos pedaços
cheio de corações e 
pedaços de corpos ensanguentados
no porta-malas.

Deixo suspenso no ar
um rastro de poeira
prateada pelo luar
de mil luas.




terça-feira, 21 de maio de 2013

Mártir de si mesmo

Costumava morder a si mesmo todos os dias, às vezes até arrancando pedaços de sua própria carne, que comia angustiadamente com um pouco de sal. Apenas para que a dor o lembrasse de que ainda continuava vivo. 
Hoje em dia é considerado o maior colecionador de cicatrizes do mundo. Ele tem muito orgulho das suas cicatrizes.
É venerado em vários templos como o grande mártir do individualismo pós-moderno.

domingo, 19 de maio de 2013

X


traduzindo...



Às vezes o poema está ali.
Você sente
pulsando na corrente sanguínea
palavras 
entre hemácias
e hemoglobinas.

Drummond já morreu
e você pensa:
agora sou eu!

Você põe o ponto
no lugar da vírgula
pra ver se alguém vai notar,

Mas são apenas palavras
e você não sente nada.

Então você vomita no poema
e sai para comer um x-coração.


terça-feira, 7 de maio de 2013

No fundo do poço há um túnel sem cachorro e com frio


Sabe aquela expressão sobre a "luz no fim do túnel"? Você só saberá o que ela realmente quer dizer quando estiver num mato sem cachorro. Sabe aquela expressão "num mato sem cachorro"? Você só saberá o que ela realmente quer dizer quando estiver numa fria. Sabe aquela expressão "numa fria"? Você só saberá o que ela realmente quer dizer quando estiver no fundo do poço. Sabe aquela expressão "no fundo do poço"? E assim sucessivamente.  


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Atualizações do antivírus

Seria bom se um dia ligássemos o computador e o antivírus informasse: "As definições de humanos foram atualizadas".


Como abater uma nuvem a tiros


    Sirenes, bares em chamas,
carros se chocando,
   a noite me chama,
a coisa escrita em sangue
   nas paredes das danceterias
e dos hospitais,
   os poemas incompletos
e o vermelho sempre verde dos sinais



Poema de Paulo Leminski, retirado de Poesia marginal, diversos autores, Ática, ano? (Coleção Para gostar de ler).





quinta-feira, 18 de abril de 2013

Todas as  coisas
do mundo não
cabem numa
ideia. Mas tu-
do cabe numa
palavra, nesta
palavra tudo.


Poema de Arnaldo Antunes. Retirado de Tudos. Iluminuras, 2009.



sábado, 13 de abril de 2013

[re]pouso

se tuas asas se quebraram
e estás perdido
e sem teres para aonde ir
e se teus pés te doem
e já não aguentam o peso
do teu próprio corpo.
não te preocupes,
posso te indicar
as melhores marquises
sob as quais 
podes
dormir.



sábado, 6 de abril de 2013

Intervalo


Depois de três quase intermináveis aulas eles se reencontram no intervalo. Tempo quase suficiente para tomar um café fraco, caro e cretino na cantina, dar uns beijos e amassos entre uma tragada e outra de cigarros made in Paraguay.
Ela começa:
− Te amo.
− Aham.
− Como assim "aham"?
– Como assim o quê?
– Tu não me ama?
– Aham.
– Então porque fica aí como um idiota repetindo "aham"?
– Sei lá... é só isso que tu tem pra me dizer?
– Quer dizer que não eu posso dizer que te amo? Porra, se é uma das coisas mais sublimes que uma pessoa pode dizer pra outra! Tu ainda fica reclamando!
– Não sei... acho que as palavras perdem alguma coisa quando são muito usadas. Já não significam mais o que eram.
– Tu e tuas teorias idiotas.
– Vai dizer que não é? As pessoas falam "te amo" pra mãe, pra vó, pro namorado, pras amigas, pros amigos, pro cachorro, pro gato, pro papagaio. Pro diabo a quatro! Isso umas 500 vezes por dia! Se bobear dizem "te amo" até pro carteiro que simplesmente tá fazendo o serviço dele trazendo o Sedex. Acho que deviam inventar outra palavra para o amor.
– Tu é um chato, isso sim.
– Aham.
Ele diz isso e sai, se afastando dela, enquanto que com um ágil movimento dos dedos médio e polegar atira a guimba de cigarro longe.
– Péra aí! Aonde tu vai?
– Voltar pra aula.
– Mas ainda não terminou o intervalo.
– Tá quase.
– Me escuta! Eu só queria que tu soubesse que eu te amo. Só isso. Tu não acredita em mim?
– Quero acreditar. Mas quando se repete uma coisa tanto, fica parecendo aquela teoria do Goebbels. Tá ligada? Uma mentira repetida 1000 vezes se torna verdade e tal. Mas continua sendo uma mentira.
– Então o que mais tu quer que eu diga?
– Desculpa, eu também não sei...
Eram 10h30. Fim do intervalo.




segunda-feira, 25 de março de 2013

Antiestima


Joguei minha autoestima
no vaso sanitário
e dei descarga.

Como um cagalhão teimoso
ela voltou
e permaneceu ali
um bom tempo
boiando na superfície.

Quase me afeiçoei a ela
novamente.
E quase vomitei quando
aquele gosto doce e antigo
de infância
me fez querer viver
aventuras.

Hoje de manhã fui mijar.
Meu Deus! Ela ainda estava lá!

Tenho que dar um jeito de arrumar
a maldita descarga!


sábado, 16 de março de 2013

Fonte da imagem: knowledge.allianz.com


Fizeram bem os deuses em determinar que o pobre também soubesse dar grandes risadas. Nas cabanas não se ouve apenas lamento e choro, mas também muita gargalhada, vinda do coração. Até os pobres, cumpre confessá-lo, até os pobres riem muitas vezes, quando teriam antes motivo para chorar.




Móricz Zsigmond, escritor húngaro. Trecho retirado do conto Sete "Krajcár", publicado em Antologia do conto húngaro, organizado e traduzido por Paulo Rónai, editora Artenova, sei lá o ano de publicação.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Desgraça

Estou cansado de achar graça na graça que as pessoas acham de achar graça naquilo que não tem graça nenhuma. Graças adiós.